sábado, 4 de dezembro de 2010

Mercúrio serve uma surpresa nuclear

Por Eugenie Samuel Reich 


A descoberta de um novo tipo de fissão vira um princípio da teoria nuclear de pernas para o ar

Fonte: Nature

A observação de uma reação nuclear inesperada, causada por um isótopo instável do elemento mercúrio , gerou um quebra-cabeça raro. O enigma está ajudando os teóricos a enfrentar um dos problemas mais complicados da Física: desenvolver um modelo mais completo do núcleo atômico.

A fissão nuclear, o processo no qual um núcleo mais pesado do que o do ferro se quebra em pedaços, é geralmente observada como sendo simétrica, com os fragmentos resultantes tendo mais ou menos o mesmo tamanho. Apesar de instâncias de fissão assimétrica serem conhecidas, elas são normalmente atribuídas à formação preferencial de núcleos ‘mágicos’, na qual as camadas da estrutura nuclear são completamente preenchidas. 
Assim, quando os pesquisadores do experimento ISOLDE no CERN, o laboratório europeu de física de partículas em Genebra, na Suíça, resolveram estudar o decaimento do mercúrio-180 – contendo 80 prótons e 100 nêutrons – eles esperavam que o elemento se partisse em dois núcleos de zircônio-90, cada um contendo 40 prótons e 50 nêutrons. Eles acreditavam que o resultado seria especialmente favorecido pelo fato de 40 e 50 serem números mágicos, com os quais as camadas ficam exatamente preenchidas.
Mas o mercúrio causou uma surpresa dividindo-se, em vez disso, em rutênio-100 e criptônio-80. “Uma divisão simétrica deveria ser dominante e nós mostramos que ela não acontece”, afirma Andrei Andreyev, membro do ISOLDE, atualmente da Universidade do Oeste da Escócia (University of the West of Scotland) em Paisley. O resultado está no prelo da Physical Review Letters.

Feixe puro

O ISOLDE é o único capaz de criar feixes puros de elementos pesados instáveis, cujos produtos de reação podem ser coletados e estudados. Andreyev e seus colegas começaram com um feixe de tálio-180. Esse elemento costuma decair ao capturar um elétron, transformando um de seus 81 prótons em um nêutron para formar mercúrio-180. Esse mercúrio, então, realizou o inesperado ato de se dividir em duas partes de tamanhos diferentes. 
O teórico Peter Möller do Laboratório Nacional Los Alamos, no Novo México, acredita ter uma explicação. O cientista usou um modelo nuclear que ele e seus colegas desenvolveram em 20011, e explica que a chave era considerar não apenas a estabilidade dos fragmentos finais, mas também a estabilidade de núcleos com formas diferentes que ocorrem como divisões do mercúrio-180.
Anteriormente, Möller havia explorado detalhadamente apenas a fissão de núcleos mais pesados que o mercúrio, que tendem a se dividir simetricamente. Porém, após o resultado do ISOLDE, ele aplicou seu modelo a isótopos mais leves e ficou surpreso ao descobrir que o modelo prevê divisões assimétricas para o mercúrio-180 bem como para vários outros núcleos instáveis.
Comparando as massas dos núcleos de tálio e mercúrio, o modelo gera uma previsão de que capturar um elétron deixaria o núcleo do mercúrio com 9,5 mega-eletronvolts de excesso de energia. Os cálculos de Möller mostram que, para se dividir simetricamente, seria necessário que atravessasse uma barreira de energia de 10,5 mega-eletronvolts.
Uma divisão assimétrica, em contraste, requer muito menos energia. “Exatamente porquê é assimétrico nós não podemos dizer, mas é um equilíbrio bastante delicado entre tensão de superfície, carga eletrostática e forças nucleares”, avalia Möller. Ele agora está aperfeiçoando e automatizando seu modelo para poder predizer as divisões de núcleos mais leves que os de mercúrio.

Fortalecendo a fissão

O teórico nuclear Witold Nazarewicz da Universidade do Tennessee, em Knoxville, declara que o estudo demonstra a dimensão de tudo o que ignoramos no processo de fissão nuclear, mais de 70 anos depois da descoberta do processo. “Essa é uma informação muito importante para qualquer modelo do núcleo [atômico]”, considera ele.
Nazarwicz observa que apesar de o conhecimento prático que os engenheiros têm da fissão ter progredido o suficiente para podermos construir bombas e reatores nucleares, “Eu não acho que temos uma compreensão profunda da fissão, baseada nas interações dos blocos fundamentais dos prótons e nêutrons”. Os núcleos que se formam no interior de um reator comum são geralmente compreendidos, mas os modelos não estão no ponto de poderem extrapolar para isótopos mais exóticos e instáveis, avalia ele. Uma melhor compreensão fundamental da teoria pode ajudar a projetar os reatores das gerações futuras.
Instalações experimentais programadas para começar a funcionar na próxima década devem permitir mais estudos com núcleos instáveis. Essas instalações incluem a Instalação para Pesquisas com Antiprótons e Íons no Centro Para Pesquisas com Íons Pesados GSI Helmholtz em Darmstadt, Alemanha, que custou 1 bilhão de euros (ou 1,3 bilhões de dólares) e a Instalação para Feixes de Isótopos Raros na Universidade Estadual de Michigan em East Lansing, de 600 milhões de dólares.
  • Referências
    1. Möller, P., Madland, D. G., Sierk, A. J. & Iwamoto, A. Nature 409, 785-790 (2001).

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