terça-feira, 30 de novembro de 2010

Síntese complexa gera terapia para câncer de mama

A aprovação da eribulina marca o resultado da viagem das esponjas do mar para as clínicas.




A última quimioterapia contra o câncer de mama a chegar ao mercado é mais do que apenas um triunfo para os pacientes desesperados em busca de tratamento. Aprovada pela US Food and Drug Administration (N.T.: um órgão governamental semelhante à ANVISA) em 15 de novembro, a molécula altamente complexa Halaven (mesilato de eribulina) é produto de quase 25 anos de trabalho em laboratório. Ela representa uma vitória difícil para a síntese total de produtos naturais – um campo da química que, apesar de ainda popular no mundo acadêmico, havia saído de moda para muitos na indústria farmacêutica.
A eribulina é um composto sintético que imita parte da estrutura da halicondrina B, uma molécula encontrada na esponja do mar Halichondria okadai. Logo após sua descoberta, em 1986, os pesquisadores perceberam que a halicondrina B possui uma potente atividade anti-tumores. No entanto, a substância está presente em concentrações muito baixas, o que torna difícil isolá-la. O composto também possui uma estrutura diabolicamente complexa – quando foi descoberta, produzi-la a partir do nada estava muito além das habilidades dos químicos.
Alguns anos depois, no entanto, o químico orgânico Yoshito Kishi da Harvard University em Cambridge, no estado americano de Massachusetts, bateu os olhos na estrutura da halicondrina B e decidiu tentar resolver o problema. Sua equipe tinha pouco interesse em suas propriedades anti-câncer, observa ele. Eles estavam apenas procurando um projeto para testar uma reação química – a reação Nozaki-Hiyama-Kishi – que poderia ser usada para criar ligações entre átomos de carbono.
A equipe de Kishi tinha encontrado um enorme desafio com a halicondrina B. Os produtos naturais geralmente contêm estereocentros de carbono, nos quais os átomos ao redor podem ser dispostos em duas configurações-espelho. “Se não configurarmos os estereocentros perfeitamente, eles geram uma mistura” de diferentes moléculas que pode ser extremamente complicada de separar, afirma Ian Paterson, um químico da University of Cambridge, no Reino Unido, que trabalha com síntese de produtos naturais. Apesar de as formas espelhadas de uma molécula serem indistinguíveis na maioria das reações químicas, elas podem produzir efeitos biológicos completamente diferentes.
A halicondrina B tem chocantes 32 estereocentros, o que significa que existem 2³² –mais de 4 bilhões – formas possíveis, ou isômeros, da molécula. “É simplesmente ridículo”, considera Robert Salomon, químico orgânico da Case Western Reserve University em Cleveland, Ohio, cujo laboratório gastou quatro anos tentando, sem sucesso, sintetizar o composto no início dos anos 1990.
Mesmo assim, a equipe de Kishi conseguiu. Na época em que ele publicou um método para sintetizar o composto, em 1992 (T. D. Aicher et al. J. Am. Chem. Soc. 114, 3162–3164; 1992), os pesquisadores do Ramo de Produtos Naturais do Instituto Nacional do Câncer dos Estados Unidos (NCI, na sigla em inglês) em Frederick, no estado de Maryland, haviam descoberto que a halicondrina B combate as células cancerosas ao inibir uma proteína componente do citoesqueleto – o emaranhado interno de tubos e filamentos que dão forma às células. A proteína, chamada tubulina, é necessária para apoiar o rápido crescimento das células cancerígenas e é o alvo de várias outras quimioterapias, incluindo o Taxol (paclitaxel).

Remédios do fundo do mar
Mas a síntese de Kishi era prática por gerar apenas pequenas quantidades de halicondrina B – o que não era suficiente para fazer o composto atravessar os testes pré-clínicos e clínicos, pondera David Newman, agora chefe do Ramo de Produtos Naturais do NCI. Newman decidiu que iria simplesmente isolar o composto a partir de amostras naturais. Então ele foi para o mar, procurar o desejado composto.
Newman e sua equipe coletaram, das águas profundas da Nova Zelândia, mais de uma tonelada de Lissodendoryx, outro tipo de esponja que também possui halicondrina B. Ele também se uniu a pesquisadores para produzir mais dessas esponjas, utilizando hidroaviões em remotas fazendas aquáticas onde as esponjas cresciam agarradas a linhas, que pendiam 40 metros abaixo das bóias. A recompensa por esses esforços: apenas 300 miligramas de halicondrina B, o equivalente a alguns grãos de arroz. “Meu cabelo ficou branco com o resultado da halicondrina B”, brinca ele.

Enquanto isso, a Eisai Pharmaceuticals, de Tóquio, tinha licenciado a patente do método de Kishi e começou  a sintetizar centenas de análogos do composto. A pesca de Newman na Nova Zelândia foi o suficiente para conduzir estudos comparativos com alguns daqueles análogos. Um deles, a eribulina, era mais potente que a halicondrina B e também substancialmente menor e mais fácil de produzir, mas ainda possuía 19 estereocentros (vide estrutura) e sua produção em escala comercial parecia imperscrutável.
A Eisai afirma que a eribulina precisa de 62 passos para ser sintetizada – um processo notavelmente longo para uma droga comerciável. Inicialmente, a companhia estava apreensiva com o projeto, lembra Kishi. No entanto, após os estudos da fase I terem mostrado que a droga era segura – e revelarem traços de sua eficácia clínica – “todos os ‘poréns’ desapareceram”.
Outros testes clínicos mostraram que a eribulina aumenta a expectativa de vida de pacientes com câncer de mama em estágio avançado em 2,5 meses para aqueles que não estão se beneficiando de outras quimioterapias, como o Taxol, que também é um derivado natural. Os analistas sugerem que a eribulina pode comandar um mercado de 1 bilhão de dólares se for aprovada para o tratamento de outros tipos de câncer.
Poucas outras companhias farmacêuticas têm estado inclinadas a apostar em produtos naturais complexos. Durante os anos 1990, muitas abandonaram quase totalmente a química de produtos naturais, concentrando-se mais em verificar grandes bibliotecas de substâncias químicas sintéticas para candidatos a drogas, conta Michael Jirousek, que já trabalhou com a síntese de halicondrina B e agora é diretor científico e co-fundador da Catabasis, uma companhia de biotecnologia em Cambridge, Massachusetts, “Examinar produtos naturais e isolar os ingredientes ativos está se tornando uma arte perdida”, lamenta.
Aqueles que propõem a síntese total apontam a eribulina como prova de que sua abordagem, apesar de árdua, pode ser altamente bem sucedida. Phil Baran, um químico sintético do Instituto de Pesquisa Scripps em La Jolla, na Califórnia, afirma que mais investigadores jovens estão entrando nesse campo e que as melhorias nas técnicas químicas estão tornando possível sintetizar moléculas complexas adicionais por rotas comerciais viáveis. “Conforme os avanços em química orgânica se tornam cada vez maiores”, diz ele, “Acredito que começaremos a ver muito mais compostos complexos sendo procurados pelas companhias”.

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