sábado, 2 de abril de 2011

Antimatéria de Verdade: Colisor gera antinúcleo mais massivo até agora

O Colisor Relativístico de Íons Pesados produziu vários núcleos da contraparte de antimatéria do hélio 4
Por John Matson, em 24 de março de 2011 




DANÇA DAS SOMBRAS: Dentre a chuva de partículas produzidas em colisões de íons de ouro, os pesquisadores identificaram antinúcleos raros e fugidios de hélio 4. (Imagem: STAR Collaboration/BNL)

A maioria das pessoas sabe duas coisas sobre o hélio. Uma é que ele deixa sua voz muito engraçada quando você o inala e, a outra, é que ele é extremamente leve, e é por isso que balões cheios de hélio flutuam pelo ar, que é mais pesado que esse elemento. Porém, em termos de Física de partículas – especialmente em se tratando da Física nuclear de antimatéria – o hélio não é nenhum peso-leve. Com dois prótons e dois nêutrons, o hélio comum é quatro vezes mais massivo que o hidrogênio, o elemento mais leve. (Tanto o hidrogênio quanto o hélio têm outros isótopos estáveis – variedades atômicas com massas diferentes – mas eles são raros na natureza).
O domínio da antimatéria é uma espécie de mundo das sombras no qual as partículas de nosso mundo dominado pela matéria têm contrapartes de aniquilação mútua – o elétron possui um parceiro de antimatéria no pósitron, o próton tem o antipróton, o nêutron tem o antinêutron, e assim por diante. O big bang deveria ter produzido imensas quantidades tanto de matéria quanto de antimatéria, mas essa última é misteriosamente rara em nossa experiência, e os físicos e cosmólogos gostariam de saber por quê. Para investigar essa aparente assimetria da natureza, os cientistas vêm produzindo antipartículas subatômicas em colisões de altas energias durante décadas e conseguiram até mesmo produzir núcleos de vida curta e átomos de antimatéria.
No entanto, esses antinúcleos e anti-átomos são difíceis de capturar – elas se aniquilam em uma explosão de energia quando em contato com a onipresente matéria comum – e até agora só haviam sido criadas em sua forma mais rudimentar, como pequeninos aglomerados de antiprótons, antinêutrons e, às vezes, pósitrons. Agora um grupo de pesquisa, usando um colisor de partículas no Brookhaven National Laboratory em Upton, no estado americano de Nova Iorque, produziu o conjunto mais massivo de antimatéria até o momento: dois antiprótons e dois antinêutrons, que juntos constituem o gêmeo de antimatéria do núcleo de hélio 4, também conhecido como partícula alfa. (Hélio 4 é o hélio normal; uma contraparte de antimatéria já havia sido observada para um isótopo mais leve e mais raro, o hélio 3, que possui dois prótons e um nêutron).
Peneirando os destroços de partículas resultantes de um bilhão de esmagamentos entre íons de ouro, cada um viajando a 99,995% da velocidade da luz no Colisor Relativístico de Íons Pesados de Brookhaven antes de se arrebentarem juntos dentro do detector STAR, os pesquisadores identificaram 18 núcleos separados de antihélio 4. (Para fins de abreviação, o colisor é conhecido como RHIC e STAR é um acrônimo para Rastreador Solenoidal – Solenoidal Tracker, em inglês). O antinúcleo, uma vez criado nas colisões, se aniquilou rapidamente com a matéria comum presente no detector e desapareceu. Os pesquisadores anunciaram sua descoberta em 16 de março em um artigo postado no website de versões preliminares (preprints) arXiv.org.
Os autores do estudo enviaram o artigo para a Nature, que tem uma rígida política de silêncio midiático antes de uma publicação. Dessa forma, eles não quiseram discutir seu trabalho. (Scientific American é parte do Nature Publishing Group).
No entanto, físicos independents afirmam que o resultado é um impressionante, senão completamente surpreendente, golpe experimental: “O fato de eles poderem extrair esses objetos raramente produzidos é uma conquista técnica enorme”, considera Tom Cohen, um físico nuclear da University of Maryland, em College Park. “Mas todos acreditavam – eu deveria dizer que a maioria quase sabia – que partículas anti-alfa poderiam existir”. Cohen compara esse feito com o escalar da montanha mais alta do mundo: “É impressionante conseguir fazê-lo, mas o fato de existir um cume no Monte Everest não é surpresa nenhuma”.
Outro físico, que preferiu permanecer anônimo por ter recebido pedidos para que evitasse falar em público sobre os resultados, ecoou a reação de Cohen. “É realmente muito, muito impressionante que eles conseguiam fazer isso, observar esses eventos raros e isolá-los de maneira convincente”, afirma. “O que eles descobriram é que não há nada surpreendente: tudo está onde foi previsto que estaria”.
O que seria um choque seria algum desvio na maneira com que a antimatéria se comporta quando comparada com a matéria, porque isso poderia ajudar a explicar porque nossos arredores cósmicos são dominados pela matéria e quase não possuem antimatéria. Colisores de partículas como o Grande Colisor de Hádrons fora de Genebra, estão se aproximando cada dia mais de níveis de energia semelhantes aos do big bang para procurar por esses indícios da nova física. E experimentos complementares a energias mais baixas já conseguiram produzir, então capturar – ainda que brevemente – átomos de antihidrogênio, visando a realizar medições precisas das propriedades dos anti-átomos. No entanto, até agora, a causa da assimetria entre matéria e antimatéria permanece uma questão em aberto.      
Quanto à recente descoberta do núcleo de antihélio 4, é provável que o STAR mantenha a coroa por partículas mais massivas de antimatéria durante um tempo. O próximo núcleo estável na tabela periódica é o lítio 6, com três prótons e três nêutrons; ele, também, terá uma contraparte de antimatéria. Ainda assim, os pesquisadores do STAR observam que núcleos como os de antihélio 4 são tão raros que só aparecem 18 vezes em um bilhão de colisões, e o antilítio 6 é ainda mais raro. Sua taxa de produção esperada é de aproximadamente um milionésimo daquela do antihélio 4, deixando-o além do alcance dos aceleradores atuais.

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